
Depressão, uma doença silenciosa que precisa ser enfrentada por todos
Já na expectativa para o fórum sobre o tema em Palmas, dia 26, gerente de Saúde Mental da Semus, Dhieine Caminski, esclarece vários pontos sobre a doença.
Tema da campanha da Organização Mundial da Saúde
(OMS), a depressão é ainda um mal praticamente desconhecido da população,
lembra a gerente de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (Semus),
Dhieine Caminski. Nesta entrevista, já na expectativa para o “I Fórum de
Integração de Serviços de Saúde Mental”, no próximo dia 26, na Capital, com o
tema “Depressão e Violência Auto-provocada”, Dhieine, que é psicóloga,
esclarece vários pontos polêmicos sobre o tema e faz um alerta importante:
“Depressão é uma questão de saúde séria, que pode levar a atitudes extremas
como o suicídio. Por isso, precisa ser enfrentada por toda a sociedade por meio
do diálogo em todas as esferas e com a estruturação da rede de saúde para o
diagnóstico precoce”. E nesta quarta-feira, 19, leia matéria especial com
relato de personagem que superou a doença.
Semus – Como está a abordagem da depressão em
Palmas?
Dhieine Caminski: Em Palmas a depressão ainda é pouco falada, o
tema é pouco comentado. O que acontece muito é que as pessoas sabem que um
vizinho ou um familiar tem, mas não sabem enfrentar essa situação. Enquanto a
gente continuar com a cultura de que depressão é algo subjetivo, ou seja, é da
pessoa, e que não é uma questão de saúde, a gente vai continuar no erro de
combater e tratar a depressão com métodos paliativos. Eu costumo dizer que é a
mesma coisa de tratar câncer com vinagre. Então precisamos de ações mais sérias, porque o tratamento
da depressão não envolve só uma conversa. Muita gente fala “eu vou ao psicólogo
pra quê? Só pra conversar?” Não. O psicólogo é um profissional de saúde
mental que está capacitado com técnicas científicas para intervir na causa da
depressão e na manifestação desses sintomas. O psiquiatra também é um
importante profissional quanto à questão das disfunções hormonais que ocorrem
no cérebro por conta da depressão. Independente que seja causa ou efeito dela,
interferem diretamente na evolução do quadro depressivo, e, quanto mais
acentuado, mais chance a pessoa tem de vir a cometer suicídio.
Semus – Essas disfunções hormonais acontecem por
causa da depressão ou por problemas externos?
Dhieine Caminski: Algumas pesquisas indicam que as disfunções
hormonais causam depressão e outras pesquisas indicam que, após a instalação da
depressão, por questões socioculturais, questões externas e a maneira que a
pessoa vê a vida, elas acontecem. Não se sabe se vêm antes ou depois, mas elas
acontecem.
Semus – Por ser uma patologia, a depressão pode
ser hereditária?
Dhieine Caminski: Na realidade, o que acontece é que se eu
cresci vendo um padrão de comportamento depressivo. Eu vou aprender a ter
a mesma postura frente às situações da vida, o mesmo tipo de ação frente a
esses problemas que me causam sintomas depressivos. Não por uma questão de
hereditariedade, de DNA, mas por uma questão de comportamento e de aprendizado
de lidar com as situações sociais, do aprendizado de lidar com as próprias
emoções, que se cria dentro dos lares, nas relações familiares, sociais. As
pesquisas indicam que, na infância, quanto mais a gente conversar com a criança
sobre os sentimentos, as emoções, os pensamentos, as frustrações, mais
habilidade emocional ela vai ter na idade adulta em lidar com isso e não vir a
desenvolver transtornos mentais, incluindo a depressão.
Semus – Hoje quem mais sofre de depressão, tem
uma faixa etária, gênero?
Dhieine Caminski – Pessoas com idade de 15 a 29 anos na população
mundial, mais mulheres são diagnosticadas com depressão, mas quando chega a
culminar no suicídio, os homens têm mais “sucesso”, porque eles tentam de forma
mais assertiva que as mulheres. Uma coisa muito importante em relação ao
suicídio é que as pessoas têm o preconceito de dizer que elas fazem isso só
para chamar a atenção. Se existe a necessidade de chamar a atenção, é porque
existe um sofrimento, mas ninguém tenta se matar apenas para chamar a atenção,
mas porque não consegue lidar com todo o sofrimento que está vivendo. Nos
adolescentes, esse sofrimento, pode causar muitas situações de auto agressão,
automutilação. Então quando começam os sinais muito cedo de automutilação, de
cortes ou outros ferimentos, é importante estar atento ali, porque com alguma
coisa esse adolescente não está sabendo lidar e acaba encontrando essa válvula
de escape como resolução dos problemas. O tema do Fórum atenta também para o
diagnóstico precoce de situações que envolvem a violência auto-provocada.
Semus – Falta diálogo sobre o tema?
Dhieine Caminski – Falta. Principalmente nas escolas em relação à
habilidade emocional das crianças e adolescentes. Não se fala sobre isso e é
muito complicado porque a gente atribui à família muitas vezes, e um pai que
trabalha das 7 às 22 horas não tem tempo para conversar com os próprios filhos.
E para fazer esse levantamento que queremos temos que entender como a sociedade
funciona, para ter ações junto à assistência social, nos centros de saúde, nas
escolas, que propiciem mais discussões sobre o tema. Ninguém quer estar
deprimido, ninguém quer ter depressão. A depressão não é uma escolha, ela é uma
doença que precisa de tratamento. Quem vai fazer o tratamento? Não é só
psiquiatra, não é só o médico, o psicólogo, o enfermeiro, a vizinha, não é o
pai, não é só o pastor. É uma equipe inteira, o tratamento e enfrentamento da
depressão é feito pela sociedade. Eu vou precisar da equipe de saúde, de mais
apoio familiar, de mais apoio dos amigos, de mais compreensão no meu trabalho.
Então é importante falar em todos os níveis.
Semus – Como a rede municipal de Saúde está se
estruturando para conversar e enfrentar um tema tão delicado?
Dhieine Caminski – Vamos fazer a articulação da rede de saúde
mental aqui em Palmas, que é a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) através de
um planejamento de qualificação extenso para os servidores de toda a rede, e
isso inclui os fóruns de capacitação, não só nos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), mas envolve a Atenção Primária em Saúde, os hospitais, o
Henfil, o Samu, as Upas, Consultório de Rua e o Palmas que te Acolhe. Para
começar, no caso da depressão, é importante a sensibilização sobre doenças que
não têm um sintoma biológico especificamente e tentar desmistificar alguns
julgamentos e trazer informações mais consistentes para os profissionais.
O segundo passo é fazer um levantamento
epidemiológico da incidência da depressão para saber onde mais ocorre, quais as
causas e fazer um perfil através do olhar da determinação social, quais os
processos socioculturais, que passam a população de Palmas. Vamos começar a
partir do dia 26 de abril, no Fórum, e esperamos concluir até setembro.
Semus – Como funciona o atendimento na rede?
Como uma pessoa pode procurar tratamento?
Dhieine Caminski – O diagnóstico pode ser feito nos Centros de
Saúde Comunitários (CSC) e existe uma equipe multiprofissional em todos os
territórios que é o Núcleo de Apoio a Saúde da Família (Nasf). A pessoa procura
o CSC fala de suas suspeitas, se o médico ou outro profissional avaliar que é
necessário um diagnóstico mais amplo, ele pode acionar o Nasf para fazer esse
diagnóstico interdisciplinar, e, se for necessária, a intervenção do psiquiatra
eles acionam ou encaminham para o CAPS. Qual a diferença entre acionar e
encaminhar? Encaminhar é quando o paciente já está num estágio mais avançado e
precisa de um atendimento diferenciado no CAPS, nível secundário. É como
encaminhar para um especialista, só que nesse caso é para uma equipe do CAPS,
que após a discussão do caso entre os profissionais que encaminharam e os que
receberam, será elaborado um plano de tratamento para cada usuário. O
acionamento é quando chamam os profissionais do CAPS para discutir esse caso no
CSC, e às vezes esse tratamento fica no centro de saúde, não precisa ir para o
CAPS. O Nasf é fantástico e muito potente nesses casos porque muitas vezes
aborda quando está começando e isso é importante, tratar no começo.
Semus – Hoje em Palmas quais são as principais
causas de depressão?
Dhieine Caminski – Ainda não se tem como mensurar. Temos um número,
por exemplo, dentro das notificações que diz que alguns territórios existem mais
casos, só que enquanto eu não tiver o diagnóstico correto, não consigo dizer se
esse levantamento é fidedigno ou não, porque não tem uma igualdade de
notificações. O que tem indícios é a questão de não identificar como problema
de saúde, ainda atribuir a uma questão moral, como se fosse uma escolha da
pessoa, e de não procurar atendimento de saúde. Essas três coisas afastam as
pessoas de não ter um diagnóstico correto e um tratamento correto também.