
Rede de proteção à criança e ao adolescente se organiza para prevenir casos de automutilação e suicídio
Profissionais de saúde, educadores e autoridades debateram o tema durante fórum de saúde mental
Responder a perguntas como: qual seria a causa de quadros depressivos,
automutilação e suicídio entre crianças e adolescentes? E quais diretrizes
podem ser tomadas para prevenir essas situações? São alguns dos pontos
levantados durante a mesa de abertura do 6º Fórum de Saúde Mental cujo tema é Prevenção
de vulnerabilidades na Infância e na Adolescência e que reúne profissionais de
saúde, educadores e representantes do Ministério Público Estadual e da
Defensoria Pública. O fórum busca não somente fortalecer a rede de proteção à
criança e ao adolescente, mas chamar a sociedade para o centro do debate
e da promoção de saúde mental desse público.
Ao contextualizar a história da infância e da adolescência, o professor
de história do Instituto Federal do Tocantins, Rodrigo Teixeira, foi taxativo
ao dizer que os termos “criança e adolescente” são recentes, pois ao longo da
história da humanidade, elas eram negligenciadas, invisíveis na sociedade.
“Crianças eram miniaturas dos adultos, as roupas eram iguais aos dos adultos,
seus sentimentos não importavam, casavam-se cedo, vivia-se pouco. A garantia de
direitos como desenvolvimento integral, educação obrigatória e cuidados são
mais recentes”, pontuou.
Teixeira foi enfático ao dizer que o comportamento humano é resultado do
meio em que vive. “Nós vivemos hoje dentro de grupos humanos com uma
diversidade de mentalidades e comportamentos. Nós somos resultado do nosso
contexto histórico e das construções históricas”, ressaltou.
Para a médica psiquiatra Natacha Guimarães, que atua no Ambulatório
Municipal Infanto Juvenil, o suporte familiar e as questões financeiras falam
tanto quanto as alterações celulares e orgânicas. “Precisamos entender o
processo de adoecimento. A criança absorve tudo a sua volta, fatores sociais e
ambientais levam a automutilação. Hoje estamos passando por uma ‘epidemia’ de
automutilação, depressão, transtornos de ansiedade, déficit de atenção. Se medica, mas não dá atenção ao que lá atrás
desencadeou essa situação”, disse a médica, referindo-se aos casos mais
frequentes.
Sobre suicídio, a psiquiatra lembrou que quem o comete não quer morrer,
mas sim acabar com o sofrimento mental. Entretanto, para os estudiosos do tema,
a criança não entende o que esse termo “acabar com o sofrimento”,
significa. “Se a criança não entende, por que acontece? Qual o contexto que a
leva a fazer isso?”, provocou, ressaltando a importância de se combater o
subdiagnóstico. “Há casos de suicídio que vamos pesquisar e não há no histórico
da criança e do adolescente nenhum encaminhamento de consultas nesse sentido.
Precisamos estar atentos aos sinais e ajudar essas crianças a lidar com seus
sentimentos e frustrações”, ressaltou.
A gerente de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (Semus),
Dhieine Caminski, chamou a atenção para um recorte de gênero sobre a saúde
mental infanto juvenil. “Nos consultórios temos uma alta incidência de meninos
por questão do comportamento, mas os casos de automutilação incidem mais em
meninas. Então, onde estamos pecando? Culturalmente, as meninas são criadas
para serem dóceis, para aceitar diversas situações e elas se calam, e por isso,
estão sendo subnotificadas”, provocou.
O defensor público Arthur de Pádua falou da importância de Palmas ter um
Centro de Atenção Psicossocial Infantil (Caps-i) para lidar com essas questões
de saúde mental. “Crianças e adolescentes precisam ser atendidas numa rede
adequada, há muito cobramos isso, mas sabemos que atual gestão tem esse
compromisso de implantar o Caps-i logo. Se tivermos uma rede de atenção
psicossocial que cuide bem na formação, evitaremos que se envolvam no mundo do
crime ou como vítimas ou como profissionais do crime”, exemplificou.
O secretário executivo da Semus, Frederico Silvério, reforçou que a obra
do Caps-i está prestes a ser licitada. “A Prefeitura de Palmas tem dado as
diretrizes para que haja a integração de suas pastas e esse fórum inicia o
debate dessa temática que vem tomando proporções grandes chegando à violência.
Precisamos atuar na prevenção de forma intersetorial, interdisciplinar e tem
que ter a participação da sociedade”, frisou.
Campanha
Autora do Projeto de Lei que originou a Lei 2.407/18 que instituiu a
Campanha Permanente de Conscientização da Depressão Infantil e Violência
Autoprovocada na Adolescência, a vereadora Laudeci Coimbra falou da
satisfação de ver o tema sendo debatido. “Palmas inicia esse debate no momento
em que o Brasil enfrenta muitos casos de suicídio entre crianças e
adolescentes. É importante estar atento aos sinais de depressão que aparecem na
idade escolar, essa identificação tem que ocorrer o quanto antes. É preciso
falar para que as pessoas se conscientizem que esse problema está perto de nós,
é um assunto grave, sério, que precisa ser enfrentado por todos atores”,
ressaltou.
A promotora de Saúde do Ministério Público Estadual, Maria Rosely Pery,
vê a importância de que esse debate chegue também às classes mais abastadas da
sociedade. “Não podemos tratar esse tema como se o mesmo ocorresse apenas nas
classes mais pobres. É um problema presente em todas as classes sociais e deve
ser trabalho de forma integral, chamando as classes A e B para o debate, que
sofrem também, mas normalmente se escondem”, pontuou.
Participação especial
A instrutora da Rede Nacional de Aprendizagem Promoção Social e
Integração (Renapsi), Meg Pessoa, fez questão levar 35 jovens que atuam no
mercado de trabalho via Renapsi para participar da mesa redonda. “A gente
trabalha muito com temas sociais e todos os fóruns que falam de adolescência,
que estão ligados à saúde, à comunidade, à família, a gente procura participar
até porque a gente pensa na formação integral desse adolescente, não só como
bom profissional, mas como bom cidadão. Trabalha muito a questão da saúde
física e mental desses adolescentes, para que eles entendam bem esse processo
de saúde mental”, disse Meg, lembrando que a instituição dispõe de uma equipe
multidisciplinar composta por pedagogo, assistente social e psicólogo para
auxiliar os jovens aprendizes e empreendedores.
Atento ao debate, o jovem aprendiz Iutah Cristal achou válida a abordagem feita fórum. “Acho importante a questão de falar do âmbito social e dos problemas psicológicos da infância e da adolescência até porque, eu sou um pouco mais velho, mas a maioria dos jovens que está aqui são dessa faixa de 15 a 17 anos, ainda estão no ensino médio, trabalham e estudam e boa parte são de famílias mais vulneráveis, passam por muita pressão e podem estar passando por situações assim”, contextualizou Iutah, que tem 22 anos e é acadêmico de Engenharia Civil.
Edição e
postagem: Lorena Karlla